12.27.2008

(f) Ficção


(continuação)

Com o sentimento comum de quem queria abandonar aquele hospital, transformado súbita e simultaneamente numa sala de audiências e no cárcere da angústia provocada pela sentença pronunciada pelo médico, o mais depressa possível, pai e filho entraram no elevador. O filho questionou o pai enquanto tentava localizar o botão que lhes desse acesso à saída.

Filho – Já não me lembro, a saída é no zero ou no menos um?

Pai – É no menos um. Irónico, não é?

O filho lançou ao pai um olhar de interrogação.

Pai – Ter de descer tão baixo para encontrar a saída...

O elevador começou a descer. Nenhum dos dois sabia o que dizer. Uma vez mais os olhares não se cruzaram, o medo de se encararem tolhia-lhes a vontade imensa de se abraçarem. Sem o exteriorizarem ambos sentiam culpa e remorsos. Mas apenas procuravam, a todo custo, que as lágrimas não denunciassem a fragilidade daquele momento, um turbilhão de pensamentos e sentimentos que não lhes permitiam qualquer espaço para alguma lucidez.
Subitamente, entre o quarto e o terceiro andares, o elevador estremeceu com brusquidão e parou.

Pai – O que foi isto?

Filho – Foi a porcaria do elevador que deve ter encravado. Só faltava mais esta!... E eu com tanta coisa para fazer.

Pai – Eu já não posso dizer o mesmo…

Com indisfarçável transtorno o filho percebeu que as palavras que lhe saíam da boca não tinham qualquer sentido para quem percebia pela primeira vez que o efémero é a mais constante e imediata condição da vida.
Desesperado começou a bater nos botões gritando pelo intercomunicador:

Filho – Está aí alguém? Está aí alguém? Estamos fechados no elevador! Ajudem-nos!

A resposta foi o silêncio, do outro lado não se ouvia mais do que um pequeno ruído quase imperceptível. Permaneceram imóveis virados para a porta, não ousando sequer olhar-se nos olhos. Numa nova tentativa o filho insistiu, desta vez mais alto, como se o volume da voz fosse determinante para serem socorridos.

Filho – Está aí alguém que nos possa tirar daqui? Estamos fechados no elevador! Ajudem-nos! Ajudem-nos, por favor!

De novo, foi o silêncio a tomar conta do elevador. Pai e filho continuavam virados para a porta como se esperassem que esta se fosse subitamente abrir e transpondo-a se pudessem libertar daquele pesadelo. O medo de se enfrentarem olhos nos olhos misturava-se e confundia-se com a sensação de impotência de enfrentar a realidade. Pela primeira vez não tinham como fugir um do outro.
Ao fim de algum tempo o pai interrompeu o silêncio.

Pai – Foi a primeira vez que te ouvi pedir ajuda.

Filho – Se calhar foi porque nunca paraste para me ouvir. Afinal estavas sempre cheio de trabalho.

Pai – Estava cheio de trabalho para te dar aquilo que nunca tive. Uma vez mais sou o culpado de tudo. Essa tua resposta era mais que previsível, sais à tua mãe.

Filho – Não comeces. Se não fosse a minha mãe não estaria aqui neste momento.

Pai – Tiveste pena de mim, foi?

Filho – Apenas acedi ao pedido da mãe.

Pai – Acedeste ao pedido da mãe… vocês são todos iguais! Se fosse eu que te pedisse…

Filho – Mas tu alguma vez me pediste alguma coisa?

A discussão começou a subir de tom. O pai virou-se para o filho e puxou-o pelo ombro obrigando-o a olharem-se de frente.

Pai – E tu alguma vez me ouviste? Alguma vez deste importância aos conselhos que te dei? Alguma vez fizeste aquilo que te disse? Tu sempre tiveste a mania que conseguias tudo sozinho. Tu nunca passaste dum garoto mimado que sempre teve tudo sem fazer nada por isso, sem merecer, tu não sabes o que é a vida! Eu sempre soube o que era melhor para ti!

Filho – Quem disse? Quem disse que eu queria tirar uma porcaria dum curso? Quem disse que eu queria passar o resto da vida a usar fato e gravata? Quem disse que eu queria perder o meu tempo em reuniões com clientes, a fazer orçamentos, a correr dum lado para o outro? Foste tu que me obrigaste a ser o que eu não quero! A ter esta vida de merda só para tu dizeres que tens um filho engenheiro! Tu nunca quiseste o melhor para mim, tu sempre quiseste o que achavas que era melhor para mim.

Pai – E o que querias, diz lá? Passar o resto da vidinha com o papá a sustentar-te porque te julgavas um artista? Querias viver dos rabiscos, era? Nunca vi ninguém a comer sem trabalhar. Os únicos pintores que eu conheço que vivem do seu trabalho são os que pitam paredes e prédios e o raio que os parta!

Filho – Vês como és mesquinho, vês? O dinheiro, sempre o dinheiro!

Pai – O dinheiro não, uma vida digna, de trabalho! Tu sabes lá o que eu sofri para manter um casamento que te desse uma família normal! Mas o que é que tu sabes dos sacrifícios que fiz toda a vida para te dar o melhor?

Filho – O melhor que eu não queria, nem pedi?

Pai – Tudo o que eu te dei foi para teu bem!

Filho – Deixa de ser hipócrita, eu não pedi para nascer!

Pai – Era minha obrigação dar-te uma educação decente, princípios. Tu não sabes o que é ser pai…

Filho – Chamas princípios a obrigar-me a fazer o que não queria?

Pai – Tu tens um grande problema, não consegues ir além do teu umbigo. Escuta lá, o que é que tu deste para mereceres o que tens?

Filho – E tu, o que é que me deste para me exigires alguma coisa? Estavas sempre ausente, nunca podias!

Pai – Cala-te, não me faltes ao respeito que ainda sou teu pai!

Filho – És meu pai, mas não és meu dono!

Instintivamente o pai levantou a mão como se lhe fosse bater.

Pai – Cala-te! Cala-te! – gritou.

O filho não contendo as lágrimas fez-lhe frente levantando a voz.

Filho – Vá bate-me, bate-me!

Como se alguém tivesse por momentos parado um filme, ficaram estáticos, mantendo as posições a que o calor da discussão os levara – o pai de mão levantada, pronto para lhe dar uma palmada, e o filho, de cabeça bem levantada, hirto, desafiador, olhando-se olhos nos olhos. Era a primeira vez que tal acontecia em muitos anos - olharem-se olhos nos olhos. Mas mais do que raiva, o que se podia adivinhar naquela troca de olhares, era ressentimento e muita amargura.

(continua)

12.13.2008

(f) Ficção



Como dois desconhecidos, pai e filho, entraram no elevador vazio do hospital. O pai demonstrava claras dificuldades em caminhar mas rejeitaria qualquer ajuda. Se lhe fosse oferecida... O orgulho de ambos nunca permitiria que tal acontecesse. Nunca houvera cumplicidade entre eles, as conversas reduziam-se sempre a meras palavras de circunstância que poderiam ser trocadas por quaisquer dois estranhos.

Filho - Em que andar é que tens a consulta?

Pai - No oitavo.

A porta fechou-se, o velho elevador estremeceu e iniciou a marcha. Os rostos fechados deixavam adivinhar o medo de por momentos serem obrigados a partilhar o mesmo espaço. Estavam presos num cubo em ascensão e cada um perscrutava de forma patética o exíguo espaço, evitando por tudo que os olhares se cruzassem. Durante quase toda a subida mantiveram-se em silêncio. Já próximo do sétimo andar o pai perguntou indiferente:

Pai - Como vai o teu trabalho?

Filho - Vai bem... Chegámos!

A porta abriu-se, transpuseram um pequeno hall e entraram na sala de espera. Ao fundo, ao longo dum corredor vazio alinhavam-se os gabinetes médicos de ambos os lados. Dirigiram-se para a terceira porta à esquerda. O pai caminhava com dificuldade, adivinhando-se medo no seu olhar semi serrado. O filho, visivelmente embaraçado, deteve-se:

Filho - Espero-te aqui.

Pai - Gostava que me acompanhasses.

Filho - Para quê?

Pai - Tu é que sabes...

O silêncio que se seguiu, apesar duma ínfima fracção de tempo, abateu-se sobre eles como um pesado fardo que tivessem de carregar para toda a vida. Nunca um sim do filho havia sido tão desejado pelo pai, sem que contudo o demonstrasse ou sequer o admitisse. Nunca o filho tivera tanta vontade de responder “sim”, sem que contudo o quisesse admitir.

Filho - Está bem, mas...

As últimas palavras perderam-se no som seco da mão trémula do pai batendo na porta creme do consultório. Do outro lado uma voz respondeu:

Médico - Entre!

Pai - Dá licença doutor?

As apresentações foram breves e circunstanciais.

Pai - Como está doutor? Este é o meu filho Pedro.

Médico - Sentem-se, por favor.

Filho - O meu pai é que insistiu para que o acompanhasse...

Médico - E fez muito bem. Eu teria feito o mesmo. Se há coisa da qual eu não prescindo é da companhia dos filhos. Agora, infelizmente, cada vez menos. Já não vivem connosco e cada qual tem a sua vida. Quando eram pequenos, eram terríveis, não paravam quietos, cansava vê-los cheios de energia. Nessa altura só desejava que crescessem, mas agora tenho saudades. O tempo passa demasiado depressa e sinto muitas vezes a falta deles.

A resposta do médico deixou-os ainda mais embaraçados. Se havia coisa que nunca tinham admitido era a companhia um do outro, embora a desejassem muito.

Médico - Então e como é que se tem sentido?

Pai - Vou andando doutor.

Médico - Já temos os resultados dos exames...

Na pausa que se seguiu, o médico tentava ganhar tempo, procurava encontrar as palavras certas para lhe comunicar os resultados.

Médico - Bom, a situação é um bocado grave. É mesmo complicada, diria...

Pai - Quero a verdade doutor!

Médico - Pois eu sei que sim, todos queremos a verdade mas, sabe que há coisas que devem ser entendidas, que têm de ser entendidas, é o primeiro passo para sentirmos coragem e confiança em nós próprios. Para ultrapassarmos as dificuldades primeiro temos de ter consciência da realidade e por vezes a realidade é uma coisa que nos custa muito a encarar. Sabe que a natureza humana é mesmo assim, somos sempre tentados a viver ignorando aquilo que mais tememos, o que nos possa acontecer, convencidos de que isso fará com que tudo o que não desejamos nos passe ao lado. Só que um dia chega a nossa vez de lidar com os factos.

Pai - Assusta-me mais a dor do que a morte doutor.

Médico – A morte é todos os dias. Quando nascemos entregam-nos logo o passaporte que tratamos de esconder no fundo duma gaveta. Mas é bom não esquecer que a viajem só termina no fim e por vezes, ofuscados pelo acessório, percorremos quilómetros e quilómetros sem percebermos o que realmente importa.

Pai - Comigo as coisas não funcionam assim, sou um homem pragmático doutor. Só dou importância ao que interessa.

Médico – Vejo que tem muitas certezas... e o que é que interessa verdadeiramente? Sabe-me dizer com rigor?

Pai – Não tenho certezas, é a minha maneira de ser. A vida moldou-me assim.

Médico – Sim, mas nós também moldamos a vida e há coisas que apenas conseguimos resolver na nossa cabeça se nos libertarmos duma espécie de casulo que construímos à nossa volta, porque estamos convencidos de que isso nos torna imunes a tudo.

Pai – Eu vim aqui para me dizer a verdade, só isso. Apenas quero saber o que tenho.

Médico - Bom, a verdade é que o seu estado é muito grave e... sabe para mim também não é fácil...

Visivelmente perturbado o pai interrompeu o médico:

Pai - Quanto tempo de vida me resta, doutor?

Pela primeira vez Pedro também se mostrou perturbado. Não se tinha apercebido da gravidade da situação.

Médico – O mais importante é a esperança e a confiança! Acreditarmos em nós!

Pai - Quanto tempo doutor?

Médico – Talvez pouco. É difícil prever.

O filho experimentou uma sensação de impotência e revolta que o levou inadvertidamente a interromper o seu silêncio, como se uma mola o impelisse a gritar o seu desespero face à sentença ditada pelo médico.

Filho - Mas porquê o meu pai doutor?

Não conseguindo esconder um esgar de espanto, o pai olha-o nos olhos de forma irónica.

Pai - Ora... antes eu que tu, sou mais velho e é a ordem natural das coisas, não é doutor?

Virando-se para o filho o médico tentou em vão confortá-lo.

Médico - Sabe que estas coisas custam muito, sobretudo quando acontecem com aqueles que mais amamos.
É preciso não esquecer que a medicina evolui muito rapidamente e todos os dias são dados novos passos na descoberta de tratamentos mais eficazes, que proporcionam maior qualidade de vida...

O pai interrompeu-o novamente:

Pai - Doutor, eu já percebi. Preciso de ficar só. Peço-lhe que retomemos a consulta amanhã. Se estiver vivo, claro! – gracejou.

Ninguém sorriu.

Médico - Está bem. Amanhã falamos. Peço-lhe apenas que creia que há sempre alguma coisa que depende de nós, há sempre uma esperança. A natureza humana, para o bem e para o mal, reserva-nos sempre surpresas. A nossa capacidade de reacção é de todo desconhecida e revela-se para além da nossa compreensão, mesmos nos momentos em julgamos que está tudo perdido.

Sem mais palavras levantaram-se, despediram-se do médico e saíram. O percurso até ao elevador foi feito em silêncio. Um silêncio feito de medo e de raiva, cada qual absorto nos seus pensamentos, sem repararam sequer que caminhavam lado a lado.

(continua)

10.25.2008

(e) Escurinha

Às voltas com a letra “E” dou de caras com esta magnífica “Escurinha” cantada com a alma e o encanto de Maria João. Como só ela sente e sabe. Uma delícia.


9.06.2008

(post it) IN JUSTIÇA

A frase é demasiado batida mas continua a ser absolutamente verdadeira, o que se passa no futebol é o espelho daquilo que se passa na sociedade.
Com o regresso da primeira liga de futebol regressaram também os “casos”. No último fim de semana o central do Benfica, Luisão, agrediu sem bola um colega da equipa adversária. Como o árbitro nada reportou no seu relatório, o jogador foi objecto de um “processo sumaríssimo”, com base nas imagens televisivas. O clube, o primeiro e maior prejudicado com a atitude inqualificável do seu atleta (leia-se “assalariado”), em vez de o punir exemplarmente, dando assim um sinal de intolerância para com atitudes violentas e anti-desportivas, e de forma a evitar que no futuro a cena se volte a repetir (com este ou com outro jogador), optou por apresentar recurso, uma mera manobra dilatória tendo em vista a utilização do jogador no próximo Benfica – Sporting.
O Estado é igual. Depois de ter sido condenado por erro grosseiro na aplicação da prisão preventiva a Paulo Pedroso, vai recorrer. Foi assim no caso do Aquaparque e em tantos outros.
É por estas e por outras que eu tenho cada mais a convicção de que Estado e clubes não são pessoas de bem. Talvez o problema sejam os maus políticos e os maus dirigentes. Talvez.

8.26.2008

(playlist) VIVA LA VIDA

Neste tempo, em que a leste o céu se apresenta muito nublado ameaçando abrir feridas antigas, a única coisa que me apetece é gritar o título desta magnífica canção dos Coldplay: VIVA LA VIDA!

5.08.2008

(d) Douro



Foi no ano passado, mais ou menos por esta altura, que cumpri um desejo que tinha desde há muito, visitar o Douro. Em boa hora o fiz! Apenas me penitencio por só ter concretizado esse meu desejo ao fim de tanto tempo. Descobrir, sentir, respirar o Douro, devia ser obrigatório, devia fazer parte da formação e da educação básica de qualquer português. Perceber a grandiosidade e a monumentalidade do mais que perfeito casamento da natureza com o homem, algo que nunca antes havia experimentado, ficou retido para sempre e em lugar especial no meu baú das minhas memórias. Uma experiência a repetir, sem relógio nem telemóvel, ao ritmo do precioso e divino vintage com que me deliciei na Quinta da Penascosa.

Do alto do monte de S. Leonardo, na Galafura, impressionante miradouro sobre o Douro que lá bem no fundo vai serpenteando com vagar por entre socalcos esculpidos na rocha, fixei na minha memória e na memória da Sony as magníficas palavras de Miguel Torga.




São Leonardo da Galafura

À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.

Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.

Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!

Miguel Torga
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(o poema dito por Miguel Torga)

4.24.2008

(playlist) UTOPIA

Na véspera da madrugada que nos devolveu a liberdade inacabada, invocar a utopia é mais do que um simples gesto reflexo, é uma necessidade de quem busca um mundo mais fraterno. Fazer das palavras vãs uma coerente forma de vida é o nosso maior desafio e o tributo aos que pereceram sem cheirar o perfume do alecrim que Chico Buarque cantou. VIVA O 25 DE ABRIL! VIVA A LIBERDADE!
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João Afonso canta as palavras de Zeca.


4.22.2008

(playlist) Redondo Vocábulo

Em vésperas de mais um 25 de Abril nada melhor do que ouvir Zeca Afonso recriado por grandes vozes. Começo com Cristina Branco.
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4.08.2008

(playlist) Dia da Tentação

Filipa Pais e José Peixoto, dois músicos de eleição num país que teima em esquecer os melhores.
Parabéns à sogra que hoje faz anos. Esta é-lhe dedicada.


3.26.2008

(post it) ESTADO SÓNICO


São da Marinha, quase quarentões e gente boa! Não pude estar no lançamento do CD, mas espero poder vê-los em breve para matar saudades. Na sexta é no Sport Operário às 23 horas (em ponto).

3.21.2008

(playlist) Bobby McFerrin - Ave Maria (Bach)

O mais belo instrumento, a voz.




Votos de uma boa Páscoa para todos, em especial para os que comigo partilham estes pequenos momentos virtuais. É para mim um privilégio recebê-los neste lugar, sem dia nem hora marcada. Assim se acolhem os amigos.

Permitam-me apenas uma nota de alguém que crê em Cristo ressuscitado. Que saibamos descobrir no exemplo desse Cristo, a verdadeira dimensão da nossa existência e o verdadeiro sentido da vida. Refiro-me ao exemplo, tão somente e apenas, circunscrito à sua dimensão humana e histórica, guardando para mim (e para quem quiser) a divina e transcendente.
Uma vez mais boa Páscoa.

3.19.2008

(post it) Dia do Pai

O mais novo estava-se a portar mal. Peguei nele e pu-lo ao pé de mim. Perguntou-me se estava de castigo, respondi-lhe que sim. Começou a choramingar e a dizer que não queria estar de castigo. Pediu-me a “pêpê e a fraudinha”, o kit de emergência para as birras e para o sono. Alguns segundos volvidos e já estava a cantarolar qualquer coisa, como se nada se tivesse passado. Vi-o esfregar vigorosamente os olhos com a fralda e perguntei-lhe o que tinha. A resposta veio inesperada – Estou a limpar os olhos que estão cheios de birrinhas! - e sorriu...


Um beijo Pai. Tenho saudades tuas.

3.17.2008

(c) Chuva

Hoje amanheceu com a água a correr pelos pinhais. Uma bátega de água copiosa que fez soltar da terra um cheiro a húmus e a musgo. Respirei fundo e senti a chuva percorrer-me os cabelos, a cara, o tronco, os braços, as pernas, os pés. Imóvel, senti-a. Ouvi-a. Toquei-lhe. Fez romper os primeiros míscaros por entre a caruma molhada que me rodeava, encheu o ribeiro que corria manso, deu de beber às fontes, lavou-me a alma. Deu-me vida. Encheu-me de seiva. Esta é uma bênção que me faz sentir muito mais do que simples pinheiro, faz-me sentir um homem.
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2.20.2008

(b) Berlindes

Chamo-me Filipe e tenho oito anos. Gosto de jogar ao berlinde. Gosto de jogar às barrocas e ao triângulo, não importa. Se calhar gosto mais de jogar às barrocas. A mãe fez um saquinho de pano para eu guardar os meus preciosos berlindes. É assim que os levo para a escola. O João diz que eles não valem nada, mas para mim valem muito, até porque me divertem. Eu sei que ele diz isso porque quer ficar com eles, como daquela vez em que me convenceu a trocar um carrinho por um pedra polida que dizia ser preciosa. Nessa já não caiu! O que é que eu tenho, deixa cá ver? Tenho pidolas, pirolitos, contra-mundos, esferas e uma leiteira. No total tenho 47 berlindes. Já tive mais mas perdi alguns na escola a jogar contra os outros meninos. Eu gosto mesmo de jogar é com o primo Luís porque ganho-lhe sempre. Quase sempre. Os que eu gosto mais são os contra-mundos, são grandes, de vidro e têm muitas cores. Talvez seja por eu ser da Marinha que é a terra do vidro. Fazem-me sempre lembrar aquela visita de estudo que fizemos à Fabrica Escola onde vi os senhores vidreiros a soprarem o vidro e a fazerem jarras, jarros, taças e muitas outras coisas. Estava lá muito calor. Eu também soprei mas aquilo era muito difícil. Onde é que eu ia? Já sei, nos berlindes, os meus amigos berlindes. Como eu gostava de jogar ao berlinde.
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Não sei porquê (claro que sei!) mas ao recordar a minha infância vem-me à memória esse magnífico Cinema Paradiso e a incontornável música de Ennio Morricone. Maestro, por favor, tenha a bondade de me fazer viajar no tempo.
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2.09.2008

(playlist) Cantiga de Amor

Penso que não poderia começar de melhor maneira a minha playlist. Chama-se Cantiga de Amor e faz parte do último trabalho dos Rádio Macau, a sair brevemente. Neste caso foi amor à primeira vista. A melodia é simples e a letra inocente. Só encontro um adjectivo: soberbo! Os Rádio Macau parecem ter regressado ao seu melhor. Gostos não se discutem.