2.22.2006

(n) Noite

Na noite, calam-se os silêncios, descobrem-se os segredos, vivem-se aventuras. Os mais primitivos instintos renascem, os medos e os sons inquietam, os sentidos apuram-se. O bébé inrompe em choro agudo, rasgando a noite e o descanso. Só o peito quente da mãe estremunhada lhe dá quietude e conforto para vencer o que do escuro ainda falta. Ao lado, os anjos embalam em sonhos de doçuras e travessuras outras almas cansadas. Os que se amam esgotam as últimas forças em juras eternas e caricias sem fim. Outros sofrem, gritam, gemem, vergados pelas dores do corpo que lhes consomem a alma, enquanto a doença e o medo não os leva de vencida. Cada um tem o que merece... mas a noite, essa continua a fascinar, a fazer e a dar filhos. Cada um tem o que merece... mas é bom que não esqueças que as noites foram feitas para os faróis e para as estrelas. E esses não se apagam.
Para mim as noites são sempre curtas, consomem-se depressa demais, na ansia de viver o que o dia não deixa. São como as velas, de luz trémula e sumida, esfumando-se no couto contorcido por sobre a cera derretida.
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... e Sérgio Godinho canta a Lisboa que Amanhece como só ele sabe;
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Cansados vão os corpos para casa
Dos ritmos imitados doutra dança
A noite finge ser
Ainda uma criança de olhos na lua
Com a sua
Cegueira da razão e do desejo
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A noite é cega, as sombras de Lisboa
São da cidade branca a escura face
Lisboa é mãe solteira
Amou como se fosse a mais indefesa
Princesa
Que as trevas algum dia coroaram
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Não sei se dura sempre esse teu beijo
Ou apenas o que resta desta noite
O vento, enfim, parou
Já mal o vejo
Por sobre o Tejo
E já tudo pode ser
Tudo aquilo que parece
Na Lisboa que amanhece
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O Tejo que reflecte o dia à solta
æ noite é prisioneiro dos olhares
Ao Cais dos Miradoiros
Vão chegando dos bares os navegantes
Amantes
Das teias que o amor e o fumo tecem
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E o Necas que julgou que era cantora
Que as dádivas da noite são eternas
Mal chega a madrugada
Tem que rapar as pernas para que o dia
Não traia
Dietriches que não foram nem Marlénes
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Em sonhos, é sabido, não se morre
Aliás essa é a Única vantagem
De após o vão trabalho
O povo ir de viagem ao sono fundo
Fecundo
Em glórias e terrores e aventuras
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E ai de quem acorda estremunhado
Espreitando pela fresta a ver se é dia
E as simples ansiedades
Ditam sentenças friamente ao ouvido
Ruído
Que a noite se acostuma e transfigura
Na Lisboa que amanhece

3 comentários:

Anónimo disse...

Descobri!
Belo blog que tens Filipe!

zé lérias (?) disse...

Descobri!
Belo blog que tens Filipe!

Anónimo disse...

tens talento....Parabens
continua