11.28.2010

(m) Moutinho & Mayra

Falta-me em palavras o que me sobra em emoção ao ouvir esta "Alfama". Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado...
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11.21.2010

Esta semana, um dos mais conhecidos blogues da Marinha Grande, O Largo das Calhandreiras, atribuiu ao Venham Mais Cinco um “Dardo”. Agradeço-lhes a referência e, ainda na "ressaca" do “Espectáculo de Variedades” de ontem à noite no auditório do Sport Operário Marinhense, com os Bandalhos, dedico-lhes esta versão do “E Depois do Adeus” de Paulo de Carvalho, que tocámos na alvorada de 25 de Abril de 2010.



10.23.2010

(m) Mentira

Obrigado Zé Polido & Cª. Muito, mas mesmo muito bom!



A Mentira by estadosonico


O que eu não sou nada me diz
Nada tenho para te dar
Tudo aquilo que eu quis
Nada posso encontrar
Aquilo que posso esquecer
No fundo é tudo o que eu quis amar

Quero romper
A surda voz
Da mentira que somos nós
Nada me conduz
Nada me seduz
Ninguém quer crescer
Nada para dizer

O que eu não sou nada me diz
Nada tenho para te dar
Os espaços onde me vês
No fundo é tudo o que eu quis amar

Quero romper
A surda voz
Da mentira que somos nós
Nada me conduz
Nada me seduz
Nada para dizer
Nada para dizer

Quero romper
A surda voz
Da mentira que somos nós
Nada me conduz
Nada me seduz
Ninguém quer crescer
Ninguém quer crescer


8.19.2010

(l) "Labarossa"

Paco de Lucia com dedicatória: um grande abraço ao Zé Lérias.


7.04.2010

(j) Jornalistas da Cumeira

No ano lectivo de 2008/2009, o meu Francisco frequentava a Escola Básica da Cumeira.
Pouco depois do início das aulas fui convocado para uma reunião de pais onde foram apresentados, o plano de actividades, o plano de segurança, etc, etc, tendo as professoras aconselhado os pais a lerem os documentos então apresentados, os quais seriam afixados numa das paredes da escola. Como cada documento era composto por uma grande quantidade de páginas, a coisa resultava num autêntico estendal.
Alguns dias depois contactei com a professora do meu filho e sugeri-lhe que a escola tivesse um blogue. Dessa forma, para além das pessoas poderem aceder de forma fácil e cómoda aos documentos apresentados, também poderiam dar a conhecer à comunidade as actividades que se iam realizando, abrindo igualmente caminho à produção de conteúdos, resultantes da actividade pedagógica, para de certa forma o irem “alimentando”.
A ideia foi bem acolhida nascendo assim, em Janeiro de 2009 um dos blogues mais interessantes que conheço e que dá pelo nome de “
Jornalistas da Cumeira”, nome herdado duma pequena publicação trimestral que já era produzida pela mesma escola, em suporte de papel.
É por isso com grande satisfação que vejo que o blogue, ao fim do segundo ano lectivo de existência, mantém o mesmo espírito e a mesma dinâmica, sendo um bom exemplo da forma como a escola pode utilizar, para proveito de todos, esta interessante ferramenta que veio democratizar a divulgação de conteúdos a uma escala inimaginável há alguns anos atrás.
Para completar esta minha referência, deixo ainda um vídeo muito engraçado, relativo a um dos trabalhos realizados pela turma do 4º ano daquela escola, no ano lectivo de 2008/2009, no âmbito do projecto pedagógico que decorria naquele ano lectivo “Conhecer Profissões, Artes e Ofícios”. Neste caso
a profissão era a de repórter e os pequenos jornalistas não se saíram nada mal. Sobretudo o pivot, que é mesmo parecido com o meu Francisco.


7.01.2010

(m) Música


Só há poucos dias consegui as fotos deste que foi um daqueles dias que jamais esquecerei, 25 de Abril de 2010. O Francisco tocou comigo pela primeira vez. A Morte Saiu à Rua e Utopia, de Zeca Afonso, no salão nobre da câmara municipal. Ele estava de cravo vermelho e eu estava nervoso e comovido. Oxalá se repita.


Utopia

Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo, mas irmão
Capital da alegria

Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu desafio

Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio, este rumo, esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?

(Zeca Afonso)

Teatro no Sport Operário Marinhense


6.09.2010

(m) Michel Petrucchiani

Não posso deixar de partilhar convosco o génio e o talento deste pequeno Homem, a provar que a música é genial quando os Homens são geniais. E no meu caso foi “amor à primeira vista” ao passar de raspão pelo Mezzo. Simplesmente soberba esta “bossa nova” jazzada com virtuosismo – Brazilian Like.


6.03.2010

(s) Sigur Rós

Porque da Islândia não chegam só más notícias, Sigur Rós. Porque a música, tal como a vida, não tem de ser complicada ou demasiado elaborada. É preciso é que faça sentido e que nos leve a algum lugar. Que nos faça acreditar que amanhã será melhor que hoje. Porque só acreditando no que de melhor o homem tem é que poderemos apaziguar a incerteza que parece ter-se apoderado das nossas vidas.



5.21.2010

(f) Fado em Si Bemol (Os Putos)

Como não sei qual das duas gosto mais, vão as duas. Embrulhe por favor que é para oferecer.




Fado em Si Bemol - Os Putos

5.01.2010

(c) de CARUMA (e de Carlitos)

Ontem à noite tive o grande prazer e privilégio de ouvir a estreia dos CARUMA, em Leiria, no festival Fade In. Não fiquei surpreendido nem pela qualidade, nem pelo talento, nem pelo estilo muito próprio desta nova banda, com fortes raízes marinhenses, e que é composta por alguns amigos. O que me surpreendeu foi a grande cumplicidade que revelaram em palco e a sensibilidade com que nos souberam transmitir a forte mensagem musical e poética dos seus temas originais. Estão todos de parabéns e em especial o Carlitos (que para mim será sempre o Carlitos), que há muito merece o reconhecimento inequívoco do seu enorme talento. Acho mesmo que os CARUMA vão dar muito que falar.

Esta e outras aqui. Aconselho vivamente.



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4.11.2010

"Os Bandalhos" voltam ao palco

Depois de uma "noite memorável" na sede da Sociedade de Instrução e Recreio 1º de Dezembro (Picassinos), correspondendo ao simpático convite da CISCO, na noite de 24 para 25 de Abril, eu, o Nuno Brito, o Marco Tenório e o Bruno Lemos, lá estaremos nas comemorações do Dia da Liberdade (organizadas pela CMMG em parceria com a CISCO), para cantar esta e outras cantigas. Em breve revelarei as restantes.

3.27.2010

"Um concerto no Sport Operário Marinhense"





Em vésperas do 25 de Abril, e à parte algumas imprecisões, um testemunho sobre Zeca Afonso publicado no blog da AJA.


"Passaram 23 anos após a morte de Zeca Afonso. Em 23 de Fevereiro de 1987, após uma dura luta contra a grave doença que o atormentava, viria a sucumbir no leito do hospital.
Muito já se disse do Homem, Poeta , Cantor e Compositor. Porém, nunca será de mais realçar o seu culto da amizade ao próximo, a solidariedade para com os mais desfavorecidos, a busca constante da liberdade para o seu Povo, bem presente nas suas canções.
Foste um "guerrilheiro" em que as tuas armas eram poemas e o ribombar dos teus canhões eram os sons das tuas baladas, entoadas em uníssono pelas multidões que te adoravam e adoram.
A censura e a repressão do antigo regime nunca te conseguiram calar. É de assinalar a ridícula acção da polícia política que em vésperas do dia 1º de Maio, te prendia preventivamente, para evitar que fosses fazer acções de canto livre junto das camadas trabalhadoras. Passada aquela data eras posto em liberdade.
A falta de liberdade antes de 25 de Abril de 1974, põe a ridículo as alegações caricatas de uns quantos políticos actuais que hoje apregoam não haver actualmente em Portugal liberdade de expressão. Onde está a censura prévia que cortava textos quase inteiros, a ponto de, o que restava, não ter qualquer sentido? Onde estão as prisões efectuadas nas madrugadas de hoje sobre aqueles que são de opinião política diferente do governo?
Tu, Zeca, para conseguires iludir os censores, em geral coroneis reformados, bordavas os teus poemas com expressões figuradas de simbolismos sub-reptícios de rara beleza.
Por falar em liberdade, lembro-me de um episódio a que felizmente assisti e que me marcou profundamente.
Decorria o ano de 1970 ou 1971. Foi publicitado que se iria realizar no Sport Operário Marinhense, pelas 21H30, uma sessão em que iria actuar José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e outros de que não recordo o nome. O evento gerou logo grande expectativa na juventude marinhense.
A sala estava repleta. Ao fundo do palco um grande cartaz com as primeiras letras de "Roseira brava, roseira...".
O espectáculo estava para começar quando chegaram elementos da polícia política- D.G.S., com ordens para proibir o evento. O ambiente da sala estava pesado, o nervosismo era visível nos rostos dos presentes. Zeca e Adriano percorriam o corredor entre as cadeiras, de um lado para o outro.
Um prestigiado médico local que se encontrava na sala como espectador, endereçou uma mensagem ao Governador Civil de Leiria, tomando a responsabilidade em como o espectáculo decorreria normalmente, sem alterações de ordem pública.
Mais uma espera e seriam talvez umas 23 horas quando veio a resposta: A sessão estava proibida!...
Não havendo mais nada a fazer, tu Zeca, dirigiste-te aos presentes e disseste: "Só nós estamos proibidos de cantar, vós não!... Sendo assim, cantem vocês para nós!..."
Então, perante os agentes atónitos, foi realizada uma sessão inesquecível em que, uma plateia em coro, interpretou um desfilar de canções cujas letras todos sabíamos de cor.
Hoje, constato com alegria que não só a minha geração, mas também os vindouros te admiram e essa é a maior prova da tua imortalidade."


Carlos Rocha Oliveira


3.14.2010

(g) Giz


risco a traços de giz
sóis e luas, círculos
casas e rios
rabiscos
oh… enganei-me…
apago e volto a riscar
árvores frondosas de raízes grandes e profundas
papagaios de papel
o arco íris
o vento soprando as velas de um barco
as primeiras letras
os números, as derivadas,
os logaritmos
projectos
ideias
perenes?
não!
a magia do giz é o pó…
como eu e tu
como nós

11.21.2009

(f) Fio de Vida


suspensos por cordas
pairamos
como marionetas sobre as águas
ora calmas, ora revoltas
e basta que o ténue fio de vida se parta
para sentirmos
a dor e a revolta
o medo
o efémero
impresso como marca d’água no meu peito
a vida
e a morte
e a vida que lhe sucede
estarei eu aqui?
parte de mim partiu
nas águas que passaram sob os pés nus e frios
engrossando as lágrimas que não contive
pois só quando um de nós
se vai
é que damos conta da espessura
do fio de vida
da partida

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8.04.2009

(playlist) Bomba Relógio

(post-it) As Listas

(apesar de verificar que estou a plagiar as participações do João Paulo Pedrosa no seu novo blog, mantenho os meus "post-it", que aliás já escrevo, embora intermitentemente, desde Novembro de 2005)

Adiante...

O que me leva hoje a escrever estas poucas linhas, é a sensação que tenho de uma certa hipocrisia reinante, sobretudo em vésperas eleitorais. Sinceramente não percebo os comentários feitos por pessoas da área do PS em relação à exclusão de Pedro Passos Coelho das listas do PSD, quando não tiveram uma única palavra ou comentário quando o Dr. Osvaldo de Castro foi relegado nas listas do PS, para número sete por Setúbal, um lugar que não garante a sua eleição. Para bom entendedor...
Cada vez me sinto mais desconfortável com esta realidade político-partidária em que o mérito e o trabalho dedicado são sempre engolidos pelo pântano dos projectos pessoais de poder e pelos interesses das fervilhantes capelinhas, terreno traiçoeiro e lamacento onde se movem sem qualquer pudor cabotinos e caciques.
Ao Dr. Osvaldo Castro o meu reconhecimento pelo trabalho que ao longo destes anos tem desenvolvido no Parlamento.

7.20.2009

"O homem; as viagens"

Hoje ouvi na rádio este poema. Não o conhecia. Confesso até que conheço pouca poesia. Mas a voz e a expressividade (únicas) de Fernando Alves (TSF), fixaram-me a atenção nas palavras. Nem por acaso. Ainda ontem comentava com um familiar: como é possível que o homem consiga feitos tão extraordinários, avanços tecnológicos sem paralelo e não consiga resolver um dos problemas mais básicos da humanidade, a pobreza.
O Homem chegou à lua há já 40 anos…



O homem, bicho da terra tão pequeno
Chateia-se na terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a lua
Desce cauteloso na lua
Pisa na lua
Planta bandeirola na lua
Experimenta a lua
Coloniza a lua
Civiliza a lua
Humaniza a lua.

Lua humanizada: tão igual à terra.
O homem chateia-se na lua.
Vamos para marte — ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte
Pisa em marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro — diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a vênus.
O homem põe o pé em vênus,
Vê o visto — é isto?
Idem
Idem
Idem.

O homem funde a cuca se não for a júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira terra-a-terra.
O homem chega ao sol ou dá uma volta
Só para tever?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o sol, falso touro
Espanhol domado.

Restam outros sistemas fora
Do solar a col-
Onizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver.


Carlos Drummond de Andrade

7.11.2009

SINAIS


Signs

"MOMENTOS"


Ontem, em noite de ante-estreia da peça “Momentos”, pelo grupo de teatro do Sport Operário Marinhense, senti o nervoso miudinho de outros tempos, emocionei-me, diverti-me e, sobretudo, senti um gozo tremendo de ao fim de não sei quantos anos estar novamente do lado de lá. Há muito que não acontecia, pelo que não me surpreendeu o espanto com que alguns me abordaram por me verem ali, longe de imaginarem que sempre ali estive. Eu pertenço ali, embora as circunstância da vida me tenha remetido para aqui. Mas nuca deixei de estar lá. Não digo isto com mágoa, digo-o apenas pela nostalgia dos grandes lapsos de tempo em que estes momentos acontecem na minha vida e pelo grande apelo que sinto por dar o pouco do que de melhor tenho. Não é vaidade, mas antes uma necessidade. É como respirar.
Agradeço à Sandra José ter-me convidado para esta peça, uma peça feita de momentos, uma série de pequenos textos que contam uma não estória, sem princípio nem fim, entrecortada por algumas cantigas, cantadas na primeira pessoa por um circunstancial grupo de rapazes com a mesma paixão – os sons e as palavras.
À Sandra, uma mulher com um profundo sentido estético e uma criatividade extraordinária, o meu obrigado por este momento, a repetir logo à noite quando faltar um quarto para as dez, no auditório do SOM.



(reportagem Jornal da Marinha "Operário prepara novo espectáculo", aqui)

6.20.2009

O último dia da primavera


Hoje acordei nostálgico.
De há uns anos a esta parte acontece-me sempre isto no último dia da primavera.
Acordei com a sensação de estar deslocado no tempo, de viver um tempo que não é meu, de não estar a viver o meu verdadeiro tempo.
Acordei com a sensação de que o vento me queria soprar qualquer coisa indizível. Mas não corria nem uma brisa.
Acordei e levantei-me, como faço todos os dias. Porque não basta acordar.
Hoje acordei. Amanhã, não sei.
O que sei é que todos os dias acordo para ser um homem novo. Por isso levanto-me. E caiu.
Hoje acordei. Amanhã, não sei.
Caiu e levanto-me. Todos os dias. Até que chegue a última primavera.



2.03.2009

(f) Ficção


(continuação/conclusão)


Escondendo a cara entre as mãos, o pai começou a chorar de forma convulsiva, o que estranhamente pareceu surpreender o filho que se habituara a ver nele um homem frio, um homem que jamais deixaria que as emoções o tomassem. Mas desta vez tudo era diferente, a vida parecia desfazer-se em nada, as feridas abertas durante uma vida de equívocos pareciam mais abertas do que nunca deixando a nú as fragilidades duma relação que ambos desejavam intimamente mas para a qual nunca tinham arranjado coragem, nem espaço. E ainda havia o orgulho, um fardo que ambos carregavam e que lhes negava um simples beijo de boas noites, ou um gesto tão natural como um afago, de pai para filho, de filho para pai.

Tentando recompor-se, enxugando os olhos com um lenço amarrotado o pai deixou-se uma vez mais vencer pelo orgulho:

Pai – Tu realmente não percebes mesmo nada da vida, queres-me fazer sentir culpado de sempre ter querido para ti o melhor… mas poupa-me, poupa-me por uma vez… a minha vida está presa por um fio e tu não percebes o que eu sinto, o que é ser pai… um dia tu vais perceber…

Com os olhos rasos de água o filho soluçou algumas palavras quase imperceptíveis.

Filho – Eu vou ser pai…

Pai – O quê?

Filho – Sim pai, foi o que ouviste, vais ser avô…

Como se de repente o céu se abrisse após uma forte tempestade, aquela revelação pareceu iluminar de súbito o olhar cansado do pai que, deixando cair os braços perguntou em tom patético:

Pai – Mas como foi isso acontecer?

Entre as lágrimas que lhe corriam pela cara o filho não foi capaz de evitar um sorriso.

Filho – Ora pai, como foi?

Pai – Como foi eu sei, mas… tu não és casado…

Filho – E é preciso ser casado para fazer um filho?

Pai – Não mas… eu?... Avô?... Eu não estava nada à espera disto… eu…

Filho – Pai, eu e a Paula queria-mos muito esse filho. Já faz três anos que vivemos juntos e falta-nos qualquer coisa, sei lá. O nosso amor vai muito para além de nós, faz-nos desejar que esse sentimento se transforme nalguém de que possamos cuidar, educar, acarinhar, alguém que possa ser a prova do quanto nos desejamos…

Escondendo uma vez mais o rosto com as mão trémulas, o pai parecia tomado duma estranha alegria, um turpor que lhe fazia quase acreditar que a sentença ouvida minutos atrás não fazia qualquer sentido e que a vida valia agora mais muito mais, que tinha valido a pena todo o sofrimento, que a morte anunciada não passava dum episódio menor face à alegria da nova vida gerada, perpetuadora da sua memória e do seu sangue. E sem se conter abraçou o filho.

Pai – Desculpa! Desculpa!

O filho ficou imóvel, quase assustado perante aquela natural e óbvia manifestação de alegria do pai. Nunca o calor de um abraço lhe soubera tão bem, mas não sabia como reagir.
Beijando-o na face e apertando-o cada vez mais contra si, o pai parecia transfigurado.

Pai – Desculpa-me Pedro, eu sei que não fui um bom pai...

Retribuindo por fim o abraço, Pedro deixou-se envolver pelos braços do pai, procurando neles a protecção e o conforto que sempre desejara, que sempre tinham desejado.

Filho – Não digas isso papá, eu nunca facilitei as coisas entre nós. Eu sei que sempre quiseste o meu bem.

Pai – Não, era minha obrigação agir de outra forma mas, ser pai, para mim, foi a tarefa mais difícil que alguma vez enfrentei. O medo de errar, o medo de não te fazer feliz, o medo de ter ver crescer, o medo de te educar, de te ajudar a tomar decisões ou de aceitar as tuas decisões, fez-me afastar de ti. Ser pai deveria ter sido tão natural como respirar mas, pouco a pouco, com o acumular dos erros e dos desencontros, essa alegria imensa que vivi quando a tua mãe me disse que estava grávida de ti, foi-se transformando num sufoco, numa culpa, na minha maior culpa! Não imaginas a dor que tenho sentido durante todos estes anos…

Filho – Não sejas tão cruel contigo, tudo o que tenho, devo-to a ti! Se te censuras pelo que me deste, é a mim que censuras pelo que sou. E não creio que seja assim tão mau, pois não?

Ambos sorriram. A centelha de uma nova vida parecia ter transformar por completo um percurso tumultuoso, dando-lhes uma nova esperança, a de se amarem sem medo, no pouco tempo que lhes restava.

Pai – Eu errei muito, Pedro. E o que me pesa mais na consciência é que eu tive sempre essa percepção e nunca fiz nada para mudar o rumo das coisas.

Filho – Sabes, tu tens uma grande vantagem sobre mim, tu já tiveste a minha idade e já estiveste dos dois lados, e isso, embora eu nunca o tenha admitido, conta muito a teu favor, dá-te autoridade para me fazeres ver para além! Até parece que não sabes o que fazias quando tinhas a minha idade, quando eras simplesmente “filho”!?

Pai – Por saber é que me pesa a consciência. A irreverência pode fazer-nos genuínos mas leva-nos muitas vezes a não medir os actos ou as palavras. O que nem sempre é mau. Mau foi eu não ter tido a capacidade para perceber que esse também foi o meu caminho, é o teu caminho, e será o caminho do teu filho, do meu neto… vou ser avô… acho que ainda nem estou bem a acreditar. Não imaginas a alegria que hoje me deste!

Uma vez mais a ironia das circunstâncias parecia pairar sobre eles, transformando-os em marionetas manipuladas por um poder tão cruel quanto sublime, um poder que num momento lhes roubava a vida para logo a seguir a restituir com uma força ainda maior. Mas para Pedro, isso não chegava para lhe afastar o sentimento de medo de perder o pai. A revelação da sua paternidade transformara-se ela própria numa dor profunda, a dor de não poder partilhar com o pai, o seu filho. Pedro não conseguiu por isso evitar um profundo olhar de tristeza. Mais do que o desencontro das suas vidas, a ideia que naquele momento mais o atormentava era a de o filho poder nunca vir a conhecer o avô.
Percebendo isso o pai tentou sossega-lo:

Pai – Não fiques assim, Pedro. Vale a pena acreditar que nada foi em vão! Vale a pena viver cada momento, cada segundo, saboreando os filhos, os netos, a vida…

Pedro abraçou novamente o pai.


No dia seguinte pai e filho voltaram ao hospital. O filho caminhava lentamente ao lado do pai, amparando-o com o seu braço. Desta vez fora ele que pedira ao pai para o acompanhar. Os acontecimentos do dia anterior ainda estavam muito presentes nos seus rostos, um misto de alegria e de arrependimento, de esperança e de apreensão. Sabiam que nada podia apagar a doença do pai e a inevitabilidade do diagnóstico do médico. A realidade tinha tido o dom de os aproximar, mas a aproximação trazia-lhes agora a angústia do medo.
Desta vez o elevador não estava vazio, misturavam-se rostos com expressões com rostos indiferentes. O elevador era como a vida, suspenso por cabos, desafiando a força da gravidade.
Chegados ao consultório o pai bateu à porta. Do outro lado ouviu-se uma voz:

- Entre.

Pai – Dá-me licença senhor doutor?

Sempre amparado pelo filho, entraram no consultório mas logo se aperceberam de que o médico não era o mesmo e que por certo se haviam enganado. À sua frente estava sentada uma jovem médica com um rosto tranquilo.

Pai – Desculpe mas, parece que nos enganámos no consultório.

Médica – Como assim?

Filho – Nós procuramos o médico do meu pai.

Médica – Mas, o senhor como se chama?

Pai – Horácio Costa, senhora doutora.

Médica – Não, o senhor de facto tem consulta comigo, tenho aqui a sua ficha, os exames.

Pai – Não estou a perceber. O meu médico é o Dr. Santos…

Médica – Dr. Santos? Mas aqui no serviço não há nenhum Dr. Santos!

Pai – Como assim? Então mas ainda ontem aqui estivemos e o Dr. até me deu conta dos resultados dos exames!?...

Médica – Não, deve haver aqui alguma confusão. Os resultados dos seus exames só hoje de manhã é que ficaram prontos, como é que alguém lhos deu ontem?

Filho – Mas doutora, o médico até disse que o estado do meu pai era muito grave e que lhe restava pouco tempo de vida…

Médica – Grave? Mas o seu pai não tem nada de muito grave, nada que não se possa resolver. Deve haver aqui algum equívoco. Só pode ser um equívoco!

O pai, que por momentos ficara calado, numa fracção de segundos sentiu a percorre-lhe a memória todas as emoções das últimas vinte e quatro horas, como se uma vida inteira desaguasse num único jorro, como se o fio condutor da vida apenas tivesse uma extremidade. Olhando para trás no tempo, conseguia agora perceber com clareza o essencial, como se o mundo deixasse subitamente de ter segredos e sorrindo exclamou:

Pai – Tem razão senhora doutora, tem a razão, tudo não passou de um grande equívoco!...



FIM



Por todas as saudades que tenho, dedico esta pequena história ao meu pai, esperando ter a sorte de um dia experimentar a alegria de ser avô. Pelo menos a acreditar nos relatos dos que o são.


A quem tem a paciência de me ler, as minhas desculpas pela demora e pela falta de persistência. Esse é talvez um dos meus maiores defeitos.

12.27.2008

(f) Ficção


(continuação)

Com o sentimento comum de quem queria abandonar aquele hospital, transformado súbita e simultaneamente numa sala de audiências e no cárcere da angústia provocada pela sentença pronunciada pelo médico, o mais depressa possível, pai e filho entraram no elevador. O filho questionou o pai enquanto tentava localizar o botão que lhes desse acesso à saída.

Filho – Já não me lembro, a saída é no zero ou no menos um?

Pai – É no menos um. Irónico, não é?

O filho lançou ao pai um olhar de interrogação.

Pai – Ter de descer tão baixo para encontrar a saída...

O elevador começou a descer. Nenhum dos dois sabia o que dizer. Uma vez mais os olhares não se cruzaram, o medo de se encararem tolhia-lhes a vontade imensa de se abraçarem. Sem o exteriorizarem ambos sentiam culpa e remorsos. Mas apenas procuravam, a todo custo, que as lágrimas não denunciassem a fragilidade daquele momento, um turbilhão de pensamentos e sentimentos que não lhes permitiam qualquer espaço para alguma lucidez.
Subitamente, entre o quarto e o terceiro andares, o elevador estremeceu com brusquidão e parou.

Pai – O que foi isto?

Filho – Foi a porcaria do elevador que deve ter encravado. Só faltava mais esta!... E eu com tanta coisa para fazer.

Pai – Eu já não posso dizer o mesmo…

Com indisfarçável transtorno o filho percebeu que as palavras que lhe saíam da boca não tinham qualquer sentido para quem percebia pela primeira vez que o efémero é a mais constante e imediata condição da vida.
Desesperado começou a bater nos botões gritando pelo intercomunicador:

Filho – Está aí alguém? Está aí alguém? Estamos fechados no elevador! Ajudem-nos!

A resposta foi o silêncio, do outro lado não se ouvia mais do que um pequeno ruído quase imperceptível. Permaneceram imóveis virados para a porta, não ousando sequer olhar-se nos olhos. Numa nova tentativa o filho insistiu, desta vez mais alto, como se o volume da voz fosse determinante para serem socorridos.

Filho – Está aí alguém que nos possa tirar daqui? Estamos fechados no elevador! Ajudem-nos! Ajudem-nos, por favor!

De novo, foi o silêncio a tomar conta do elevador. Pai e filho continuavam virados para a porta como se esperassem que esta se fosse subitamente abrir e transpondo-a se pudessem libertar daquele pesadelo. O medo de se enfrentarem olhos nos olhos misturava-se e confundia-se com a sensação de impotência de enfrentar a realidade. Pela primeira vez não tinham como fugir um do outro.
Ao fim de algum tempo o pai interrompeu o silêncio.

Pai – Foi a primeira vez que te ouvi pedir ajuda.

Filho – Se calhar foi porque nunca paraste para me ouvir. Afinal estavas sempre cheio de trabalho.

Pai – Estava cheio de trabalho para te dar aquilo que nunca tive. Uma vez mais sou o culpado de tudo. Essa tua resposta era mais que previsível, sais à tua mãe.

Filho – Não comeces. Se não fosse a minha mãe não estaria aqui neste momento.

Pai – Tiveste pena de mim, foi?

Filho – Apenas acedi ao pedido da mãe.

Pai – Acedeste ao pedido da mãe… vocês são todos iguais! Se fosse eu que te pedisse…

Filho – Mas tu alguma vez me pediste alguma coisa?

A discussão começou a subir de tom. O pai virou-se para o filho e puxou-o pelo ombro obrigando-o a olharem-se de frente.

Pai – E tu alguma vez me ouviste? Alguma vez deste importância aos conselhos que te dei? Alguma vez fizeste aquilo que te disse? Tu sempre tiveste a mania que conseguias tudo sozinho. Tu nunca passaste dum garoto mimado que sempre teve tudo sem fazer nada por isso, sem merecer, tu não sabes o que é a vida! Eu sempre soube o que era melhor para ti!

Filho – Quem disse? Quem disse que eu queria tirar uma porcaria dum curso? Quem disse que eu queria passar o resto da vida a usar fato e gravata? Quem disse que eu queria perder o meu tempo em reuniões com clientes, a fazer orçamentos, a correr dum lado para o outro? Foste tu que me obrigaste a ser o que eu não quero! A ter esta vida de merda só para tu dizeres que tens um filho engenheiro! Tu nunca quiseste o melhor para mim, tu sempre quiseste o que achavas que era melhor para mim.

Pai – E o que querias, diz lá? Passar o resto da vidinha com o papá a sustentar-te porque te julgavas um artista? Querias viver dos rabiscos, era? Nunca vi ninguém a comer sem trabalhar. Os únicos pintores que eu conheço que vivem do seu trabalho são os que pitam paredes e prédios e o raio que os parta!

Filho – Vês como és mesquinho, vês? O dinheiro, sempre o dinheiro!

Pai – O dinheiro não, uma vida digna, de trabalho! Tu sabes lá o que eu sofri para manter um casamento que te desse uma família normal! Mas o que é que tu sabes dos sacrifícios que fiz toda a vida para te dar o melhor?

Filho – O melhor que eu não queria, nem pedi?

Pai – Tudo o que eu te dei foi para teu bem!

Filho – Deixa de ser hipócrita, eu não pedi para nascer!

Pai – Era minha obrigação dar-te uma educação decente, princípios. Tu não sabes o que é ser pai…

Filho – Chamas princípios a obrigar-me a fazer o que não queria?

Pai – Tu tens um grande problema, não consegues ir além do teu umbigo. Escuta lá, o que é que tu deste para mereceres o que tens?

Filho – E tu, o que é que me deste para me exigires alguma coisa? Estavas sempre ausente, nunca podias!

Pai – Cala-te, não me faltes ao respeito que ainda sou teu pai!

Filho – És meu pai, mas não és meu dono!

Instintivamente o pai levantou a mão como se lhe fosse bater.

Pai – Cala-te! Cala-te! – gritou.

O filho não contendo as lágrimas fez-lhe frente levantando a voz.

Filho – Vá bate-me, bate-me!

Como se alguém tivesse por momentos parado um filme, ficaram estáticos, mantendo as posições a que o calor da discussão os levara – o pai de mão levantada, pronto para lhe dar uma palmada, e o filho, de cabeça bem levantada, hirto, desafiador, olhando-se olhos nos olhos. Era a primeira vez que tal acontecia em muitos anos - olharem-se olhos nos olhos. Mas mais do que raiva, o que se podia adivinhar naquela troca de olhares, era ressentimento e muita amargura.

(continua)

12.13.2008

(f) Ficção



Como dois desconhecidos, pai e filho, entraram no elevador vazio do hospital. O pai demonstrava claras dificuldades em caminhar mas rejeitaria qualquer ajuda. Se lhe fosse oferecida... O orgulho de ambos nunca permitiria que tal acontecesse. Nunca houvera cumplicidade entre eles, as conversas reduziam-se sempre a meras palavras de circunstância que poderiam ser trocadas por quaisquer dois estranhos.

Filho - Em que andar é que tens a consulta?

Pai - No oitavo.

A porta fechou-se, o velho elevador estremeceu e iniciou a marcha. Os rostos fechados deixavam adivinhar o medo de por momentos serem obrigados a partilhar o mesmo espaço. Estavam presos num cubo em ascensão e cada um perscrutava de forma patética o exíguo espaço, evitando por tudo que os olhares se cruzassem. Durante quase toda a subida mantiveram-se em silêncio. Já próximo do sétimo andar o pai perguntou indiferente:

Pai - Como vai o teu trabalho?

Filho - Vai bem... Chegámos!

A porta abriu-se, transpuseram um pequeno hall e entraram na sala de espera. Ao fundo, ao longo dum corredor vazio alinhavam-se os gabinetes médicos de ambos os lados. Dirigiram-se para a terceira porta à esquerda. O pai caminhava com dificuldade, adivinhando-se medo no seu olhar semi serrado. O filho, visivelmente embaraçado, deteve-se:

Filho - Espero-te aqui.

Pai - Gostava que me acompanhasses.

Filho - Para quê?

Pai - Tu é que sabes...

O silêncio que se seguiu, apesar duma ínfima fracção de tempo, abateu-se sobre eles como um pesado fardo que tivessem de carregar para toda a vida. Nunca um sim do filho havia sido tão desejado pelo pai, sem que contudo o demonstrasse ou sequer o admitisse. Nunca o filho tivera tanta vontade de responder “sim”, sem que contudo o quisesse admitir.

Filho - Está bem, mas...

As últimas palavras perderam-se no som seco da mão trémula do pai batendo na porta creme do consultório. Do outro lado uma voz respondeu:

Médico - Entre!

Pai - Dá licença doutor?

As apresentações foram breves e circunstanciais.

Pai - Como está doutor? Este é o meu filho Pedro.

Médico - Sentem-se, por favor.

Filho - O meu pai é que insistiu para que o acompanhasse...

Médico - E fez muito bem. Eu teria feito o mesmo. Se há coisa da qual eu não prescindo é da companhia dos filhos. Agora, infelizmente, cada vez menos. Já não vivem connosco e cada qual tem a sua vida. Quando eram pequenos, eram terríveis, não paravam quietos, cansava vê-los cheios de energia. Nessa altura só desejava que crescessem, mas agora tenho saudades. O tempo passa demasiado depressa e sinto muitas vezes a falta deles.

A resposta do médico deixou-os ainda mais embaraçados. Se havia coisa que nunca tinham admitido era a companhia um do outro, embora a desejassem muito.

Médico - Então e como é que se tem sentido?

Pai - Vou andando doutor.

Médico - Já temos os resultados dos exames...

Na pausa que se seguiu, o médico tentava ganhar tempo, procurava encontrar as palavras certas para lhe comunicar os resultados.

Médico - Bom, a situação é um bocado grave. É mesmo complicada, diria...

Pai - Quero a verdade doutor!

Médico - Pois eu sei que sim, todos queremos a verdade mas, sabe que há coisas que devem ser entendidas, que têm de ser entendidas, é o primeiro passo para sentirmos coragem e confiança em nós próprios. Para ultrapassarmos as dificuldades primeiro temos de ter consciência da realidade e por vezes a realidade é uma coisa que nos custa muito a encarar. Sabe que a natureza humana é mesmo assim, somos sempre tentados a viver ignorando aquilo que mais tememos, o que nos possa acontecer, convencidos de que isso fará com que tudo o que não desejamos nos passe ao lado. Só que um dia chega a nossa vez de lidar com os factos.

Pai - Assusta-me mais a dor do que a morte doutor.

Médico – A morte é todos os dias. Quando nascemos entregam-nos logo o passaporte que tratamos de esconder no fundo duma gaveta. Mas é bom não esquecer que a viajem só termina no fim e por vezes, ofuscados pelo acessório, percorremos quilómetros e quilómetros sem percebermos o que realmente importa.

Pai - Comigo as coisas não funcionam assim, sou um homem pragmático doutor. Só dou importância ao que interessa.

Médico – Vejo que tem muitas certezas... e o que é que interessa verdadeiramente? Sabe-me dizer com rigor?

Pai – Não tenho certezas, é a minha maneira de ser. A vida moldou-me assim.

Médico – Sim, mas nós também moldamos a vida e há coisas que apenas conseguimos resolver na nossa cabeça se nos libertarmos duma espécie de casulo que construímos à nossa volta, porque estamos convencidos de que isso nos torna imunes a tudo.

Pai – Eu vim aqui para me dizer a verdade, só isso. Apenas quero saber o que tenho.

Médico - Bom, a verdade é que o seu estado é muito grave e... sabe para mim também não é fácil...

Visivelmente perturbado o pai interrompeu o médico:

Pai - Quanto tempo de vida me resta, doutor?

Pela primeira vez Pedro também se mostrou perturbado. Não se tinha apercebido da gravidade da situação.

Médico – O mais importante é a esperança e a confiança! Acreditarmos em nós!

Pai - Quanto tempo doutor?

Médico – Talvez pouco. É difícil prever.

O filho experimentou uma sensação de impotência e revolta que o levou inadvertidamente a interromper o seu silêncio, como se uma mola o impelisse a gritar o seu desespero face à sentença ditada pelo médico.

Filho - Mas porquê o meu pai doutor?

Não conseguindo esconder um esgar de espanto, o pai olha-o nos olhos de forma irónica.

Pai - Ora... antes eu que tu, sou mais velho e é a ordem natural das coisas, não é doutor?

Virando-se para o filho o médico tentou em vão confortá-lo.

Médico - Sabe que estas coisas custam muito, sobretudo quando acontecem com aqueles que mais amamos.
É preciso não esquecer que a medicina evolui muito rapidamente e todos os dias são dados novos passos na descoberta de tratamentos mais eficazes, que proporcionam maior qualidade de vida...

O pai interrompeu-o novamente:

Pai - Doutor, eu já percebi. Preciso de ficar só. Peço-lhe que retomemos a consulta amanhã. Se estiver vivo, claro! – gracejou.

Ninguém sorriu.

Médico - Está bem. Amanhã falamos. Peço-lhe apenas que creia que há sempre alguma coisa que depende de nós, há sempre uma esperança. A natureza humana, para o bem e para o mal, reserva-nos sempre surpresas. A nossa capacidade de reacção é de todo desconhecida e revela-se para além da nossa compreensão, mesmos nos momentos em julgamos que está tudo perdido.

Sem mais palavras levantaram-se, despediram-se do médico e saíram. O percurso até ao elevador foi feito em silêncio. Um silêncio feito de medo e de raiva, cada qual absorto nos seus pensamentos, sem repararam sequer que caminhavam lado a lado.

(continua)

10.25.2008

(e) Escurinha

Às voltas com a letra “E” dou de caras com esta magnífica “Escurinha” cantada com a alma e o encanto de Maria João. Como só ela sente e sabe. Uma delícia.


9.06.2008

(post it) IN JUSTIÇA

A frase é demasiado batida mas continua a ser absolutamente verdadeira, o que se passa no futebol é o espelho daquilo que se passa na sociedade.
Com o regresso da primeira liga de futebol regressaram também os “casos”. No último fim de semana o central do Benfica, Luisão, agrediu sem bola um colega da equipa adversária. Como o árbitro nada reportou no seu relatório, o jogador foi objecto de um “processo sumaríssimo”, com base nas imagens televisivas. O clube, o primeiro e maior prejudicado com a atitude inqualificável do seu atleta (leia-se “assalariado”), em vez de o punir exemplarmente, dando assim um sinal de intolerância para com atitudes violentas e anti-desportivas, e de forma a evitar que no futuro a cena se volte a repetir (com este ou com outro jogador), optou por apresentar recurso, uma mera manobra dilatória tendo em vista a utilização do jogador no próximo Benfica – Sporting.
O Estado é igual. Depois de ter sido condenado por erro grosseiro na aplicação da prisão preventiva a Paulo Pedroso, vai recorrer. Foi assim no caso do Aquaparque e em tantos outros.
É por estas e por outras que eu tenho cada mais a convicção de que Estado e clubes não são pessoas de bem. Talvez o problema sejam os maus políticos e os maus dirigentes. Talvez.

8.26.2008

(playlist) VIVA LA VIDA

Neste tempo, em que a leste o céu se apresenta muito nublado ameaçando abrir feridas antigas, a única coisa que me apetece é gritar o título desta magnífica canção dos Coldplay: VIVA LA VIDA!

5.08.2008

(d) Douro



Foi no ano passado, mais ou menos por esta altura, que cumpri um desejo que tinha desde há muito, visitar o Douro. Em boa hora o fiz! Apenas me penitencio por só ter concretizado esse meu desejo ao fim de tanto tempo. Descobrir, sentir, respirar o Douro, devia ser obrigatório, devia fazer parte da formação e da educação básica de qualquer português. Perceber a grandiosidade e a monumentalidade do mais que perfeito casamento da natureza com o homem, algo que nunca antes havia experimentado, ficou retido para sempre e em lugar especial no meu baú das minhas memórias. Uma experiência a repetir, sem relógio nem telemóvel, ao ritmo do precioso e divino vintage com que me deliciei na Quinta da Penascosa.

Do alto do monte de S. Leonardo, na Galafura, impressionante miradouro sobre o Douro que lá bem no fundo vai serpenteando com vagar por entre socalcos esculpidos na rocha, fixei na minha memória e na memória da Sony as magníficas palavras de Miguel Torga.




São Leonardo da Galafura

À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.

Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.

Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!

Miguel Torga
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(o poema dito por Miguel Torga)

4.24.2008

(playlist) UTOPIA

Na véspera da madrugada que nos devolveu a liberdade inacabada, invocar a utopia é mais do que um simples gesto reflexo, é uma necessidade de quem busca um mundo mais fraterno. Fazer das palavras vãs uma coerente forma de vida é o nosso maior desafio e o tributo aos que pereceram sem cheirar o perfume do alecrim que Chico Buarque cantou. VIVA O 25 DE ABRIL! VIVA A LIBERDADE!
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João Afonso canta as palavras de Zeca.


4.22.2008

(playlist) Redondo Vocábulo

Em vésperas de mais um 25 de Abril nada melhor do que ouvir Zeca Afonso recriado por grandes vozes. Começo com Cristina Branco.
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