3.30.2006

Dia do Pai

Pai,
se acaso o dia nascer
antes de eu acordar,
chama-me.
quero sentir contigo
os primeiros raios de sol
da manhã,
quero que me leves
pela mão
a mostrar-me para além
do visível.
Pai,
não tenhas medo
da angústia
e da alegria
de me teres feito nascer.
e se acaso o ocaso
surgir antes da hora
esperada,
quero que saibas, filho,
que o meu amor
por ti
é maior do que tudo
o que tu possas
imaginar.
por isso,
nada ficou por dizer.

3.13.2006

(r) Rua

Antigamente… não era melhor nem pior, era diferente. A rua também era diferente. Era o local das nossas brincadeiras, era o ponto de encontro da garinada, dos putos. Havia pouco trânsito, não havia tanta preocupação com a segurança, “eram outros tempos”. A rua era o quintal entre as casas. E se na Marinha, vila industrial já com algum movimento e com gente que chegava de fora a coisa não era tão pacífica, na terra da avó Laura onde ia passar férias, a rua era nossa. Barrigadas de rua, de manhã à noitinha. Porque numa aldeia como o Alqueidão da Serra, a pacatez da sua rotina, permitia tomar a rua só para nós. A rua é nossa! Nossa! Jogar à bola, correr, brincar, sem parar, tudo nos era permitido. A equipa alinhada antes do desafio, como profissionais da bola e amadores da rua, olhares fixos no kodac: "olhó passarinho, 1, 2, 3, já está..." o diafragma abre e fecha fixando na película, para a posteridade, a pose altiva dos atletas; amadores da rua, profissionais da brincadeira.
Hoje, há parques, jardins, locais onde se pode brincar com outras condições, com outros equipamentos e com outra segurança. É diferente.
O passado já foi, o presente já era e o futuro já espreita. Não é melhor nem pior, é diferente…



Luis de Camões escreveu e José Mário Branco musicou e cantou,

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

3.08.2006

(q) Quando


Álvaro de Campos


Quando


Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.




Alegações finais - de facto assim é; não tenho mais nada a acrecentar para além de reafirmar que não conheço o Sr. Álvaro de Campos. Reconheço que tudo o que diz é verdade, mas só pode tratar-se de uma coincidência.

3.04.2006

(p) Puto


O puto faz hoje anos. Apesar da idade, da responsabilidade, da queda de cabelo, do tempo que teima em passar, apesar de tudo, continua puto. Como sempre. É por isso que gosto dele. Sou teu amigo, mas se quiseres sou teu irmão. Sou teu irmão, porque os irmãos amam-se, e os amigos admiram-se. Nunca me peças para não te falar, para não te procurar, porque no fim só restam os dias que percorremos juntos.

Uma vez partiste à procura de não sei o quê. Não te perguntei, mas escrevi uma canção que nunca te cantei. Hoje que fazes anos ofereço-ta. Parabéns.

faz das fraquezas forças
das tristezas alegrias
não há mal que sempre dure
e um dia não são dias
nem vale a pena me contares
a tristeza que te vai no coração
que eu já senti nos teus olhos
a mágoa e a solidão

faz do dia de amanhã
o primeiro dos teus dias
pode ser que ele te traga
aquilo que tu mais querias
nem vale a pena me contares
o que a vida madrasta te tem traído
o caminho és tu quem escolhes
o rumo e o sentido

deixa tudo para trás
e finge que és capaz
de voltar a respirar
a vida é um engano
porque quando desce o pano
o que é que sobra de nós


faz qualquer coisa por mim
que te vais sentir bem melhor
não deixes cair os braços
pinta a vida de outra cor
não vale a pena me pedires
que tenha e sinta pena de ti
porque a flor é para a abelha
o que tu és para mim

porque quando desce o pano
o que é que sobra de nós

(o) Operário


Comemoraram-se no passado dia 31 de Janeiro, oitenta e três anos sobre a data da fundação do Sport Operário Marinhense. É justo que preste homenagem a esta colectividade, da qual sou associado há cerca de vinte anos, por tudo o que nos tem dado.
Tal como as mulheres e os homens que a têm conduzido e que lhe têm dado forma, expressão e vida, o Operário também tem tido momentos bons e menos bons. Mas nada lhe diminui o seu papel de charneira na cultura e no desporto da Marinha. Aliás, a sua história confunde-se com a história do associativismo do concelho e o seu papel na luta contra o fascismo é a marca indelével da tempera dos que o quiseram um espaço de formação e de aprendizagem.
Infelizmente não há muita informação sobre a história do Operário, internet incluída, há excepção dum trabalho efectuado por Pedro Tojeira e que pode ser consultado
no seu site.
Termino com a poesia de Arnaldo de Matos, do seu livro “A Nu”, livro esse que dedica aos amigos e ao Sport Operário Marinhense;

outros limites

por nada deste mundo
mesmo nada
te daria os meus olhos
no entanto amo-te.
por nada deste mundo
mesmo nada
te daria o meu coração
no entanto amo-te.
que faria eu
sem olhos que te vissem
sem coração que te amasse?
as realidades são o que são.
que faria eu
sem olhos sem coração
e sem ti para os usar?