Deixei o tempo correr, impus a mim mesmo não escrever durante a quadra. Resisti à tentação de falar do (n)atal, o pico da época comercial de Inverno, a irracionalidade e a hipocrisia humanas em todo o seu esplendor. É que afinal este é um blogue sobre prazeres, paixões e coisas simples, e nem de perto nem de longe queria descambar, movido pela irritação e pelo nojo que sinto nesta altura do ano.
Adiante.
Falo por isso do (N)atal, o Natal dos Simples. Fecho os olhos por um instante e rebobino o filme. Somos pequenos, inocentes e sentimos no ar um cheiro a festa, a filhoses e a canela. Um bando de primos que se divertem tentando descobrir o conteúdo pela forma dos embrulhos. Espera-se ansiosamente a Missa do Galo. Aquela é a noite mais longa do ano e a familia está toda presente. Hoje temos permissão para nos deitarmos tarde e até podemos beber uma xícara de café da avó Laura. Tranca-se o Pai Natal na cave escura e bafienta e o Menino Jesus toma o centro da sala ilumada pelas velas, pela lareira e lá fora pelas estrelas. Tudo parece genuíno, eterno e incorruptível. Tive uma ideia, já sei como é que vou começar a próxima redacção que a professora mandar fazer: “Eu gosto muito do Natal!”.
À distância dos anos e dos quilos, acrescento: “...do Natal dos Simples”.
NATAL DOS SIMPLES (Zeca Afonso)
Vamos cantar as janeiras
Vamos cantar as janeiras
Por esses quintais adentro vamos
Às raparigas solteiras
Vamos cantar orvalhadas
Vamos cantar orvalhadas
Por esses quintais adentro vamos
Às raparigas casadas
Vira o vento e muda a sorte
Vira o vento e muda a sorte
Por aqueles olivais perdidos
Foi-se embora o vento norte
Muita neve cai na serra
Muita neve cai na serra
Só se lembra dos caminhos velhos
Quem tem saudades da terra
Quem tem a candeia acesa
Quem tem a candeia acesa
Rabanadas pão e vinho novo
Matava a fome à pobreza
Já nos cansa esta lonjura
Já nos cansa esta lonjura
Só se lembra dos caminhos velhos
Quem anda à noite à ventura