6.13.2006

(b) Bairro do Amor



Caía um fim de tarde estival num pôr do sol deslumbrante. A noite, "amante dos poetas", trocava o dia quente por uma amena e suave brisa vinda do Atlântico, que percorria toda a praia perfumando-a de maresia. Sentado na esplanada da barraca da Natátia, entre uma imperial fresquinha e meia-dúzia de amendoins salgados, tomava em amena cavaqueira dois dedos de conversa com um amigo de há muito. De sempre. Falávamos de, de nada em particular, o costume quando se encontram dois amigos - "o mais importante num amigo não é o que diz mas a sua presença!", era esta a posição oficial dum velho tio meio louco, com aspirações a filósofo.
Num rádio rouco soavam os primeiros acordes do "Bairro do Amor", palavras sentidas numa melodia sincopada. "Sempre admirei este gajo, tem qualquer coisa de diferente...", comentei. Não sei se a vida, se a forma, se o modo, se a palavra, se os excessos. Não sei. O que sei é que tem uma forma única de falar desta viagem, uma forma que parece quase óbvia.
Por momentos ficámos calados a ouvir "o gajo" cantar. Acabámos a imperial, o meu amigo olhou para o relógio, levantou-se e disse "tenho de ir andando, a gente encontra-se".


Bairro do Amor
(letra e música de Jorge Palma)

No bairro do amor a vida é um carrossel
Onde há sempre lugar para mais alguém
O bairro do amor foi feito a lápis de côr
Por gente que sofreu por não ter ninguém

No bairro do amor o tempo morre devagar
Num cachimbo a rodar de mão em mão
No bairro do amor há quem pergunte a sorrir:
Será que ainda cá estamos no fim do Verão?

Eh, pá, deixa-me abrir contigo
Desabafar contigo
Falar-te da minha solidão
Ah, é bom sorrir um pouco
Descontrair-me um pouco
Eu sei que tu compreendes bem

No bairro do amor a vida corre sempre igual
De café em café, de bar em bar
No bairro do amor o Sol parece maior
E há ondas de ternura em cada olhar

O bairro do amor é uma zona marginal
Onde não há hotéis nem hospitais
No bairro do amor cada um tem que tratar
Das suas nódoas negras sentimentais

Eh, pá, deixa-me abrir contigo
Desabafar contigo
Falar-te da minha solidão
Ah, é bom sorrir um pouco
Descontrair-me um pouco
Eu sei que tu compreendes bem

2 comentários:

Anónimo disse...

"Tenho de ir andando, a gente encontra-se", disse o teu amigo de sempre.

É isso, 'a gente encontra-se'... para mim é esse sentimento, quase 'négligé, que o Jorge Palma nos transmite sobre a vida!... Dela, fala-nos do amor, dos excessos, da solidão, das loucuras... numa palavra, de tudo o que faz a vida!

Parece simples o que ele escreve, musica e diz, cantando, mas é nessa simplicidade que reside o belo e o verdadeiramente humano das suas canções.

Eu gosto e, pelos vistos, tu também!

É uma excelente música para ouvir na companhia de alguém por quem se tem amizade, num por do sol em S. Pedro, na esplanada da barraca da Natália!...

Como são arrebatadoras e belas as coisas simples da vida !!

Parabéns pela escolha e pelo texto.

zé lérias (?) disse...

Parabéns meu amigo.Gostei do texto e do "sumo" que não bebi, por estar ausente.