3.08.2006

(q) Quando


Álvaro de Campos


Quando


Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.




Alegações finais - de facto assim é; não tenho mais nada a acrecentar para além de reafirmar que não conheço o Sr. Álvaro de Campos. Reconheço que tudo o que diz é verdade, mas só pode tratar-se de uma coincidência.

6 comentários:

zé lérias (?) disse...

O ser humano, por mais que finja, nunca sabe verdadeiramente quem é...
que fará os outros...
Un abraço

Anónimo disse...

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira,a entrter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa


(o pai do heterónimo)

Anónimo disse...

De acordo com o Zé Lérias... quanto mais amadureço mais vou ficando surpreendido com o pouco que sei de mim próprio...

Obrigado Felipe por mais este momento de reflexão.

Valerá a pena reler (ou ler pela primeira vez... quem sabe!?) toda a obra de Fernando Pessoa (e dos seus heterónimos, está bem de ver!...).
Nela se encontram incontáveis momentos de puro deleite intelectual, e imensa matéria que nos leva a pensar seriamente, se para tanto estivermos interessados, sobre o que somos individual e colectivamente.

Obrigado, mais uma vez, pelo teu 'post'

Anónimo disse...

uma das coisas que nunca percebi muito bem é porque é que nas escolas não se lê poesia e porque que é que não se incentiva à escrita

ACP ( AKA KALIE ) disse...

Das minhas conversas com o Sr Álvaro de Campos (quê???é um Heteromem ? ainda bem , pois nunca duvidei disso) , só me lembro do quanto me identificava com ele...outras nem tanto...
Na verdade , não é fácil coincidir o "EU" com aquile "outro" que muitas vezes acabamos por derivar, e quando tudo se acaba, e olhamos a obra acabada, quem sabe se eramos nós quem aquilo sentiu...
E venha mais uma águinha , pra mesa!

Anabela disse...

Durante muito tempo, Álvaro foi o heterónimo preferido para as minhas leituras, assim como o ortónimo. Porém, com o tempo aprendi a compreender a pureza de Alberto Caeiro, e a beleza de Ricardo...

São manias minhas!